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quinta-feira, 11 de novembro de 2021

[REVIEWS ANTIGAS] Reassistindo Tatami Galaxy - Será que é bom mesmo?

Contém spoilers da série.



Durante o último final de semana eu estava catalogando os animes que assisti nos últimos meses na tentativa de decidir qual seria a minha próxima aposta na mídia. Decidi que tentaria me agarrar a narrativas longas, depois de muito tempo, sabendo que haviam experiências muito significativas em por aí de 10 a 13 episódios bem debaixo do meu nariz, e o quão tentador seria assistí-las só para poder falar que conheço. Isso me fez lembrar de um exemplo que combina perfeitamente com a procrastinação disfarçada de perfeccionismo na minha busca por recomendação, então decidi revê-lo. É um anime que fala sobre isso, se chama Tatami Galaxy.

Este é o terceiro e último trabalho de Masaaki Yuasa ainda na Madhouse. Diretor que mais tarde faria Devilman Crybaby e Ping Pong The Animation, adaptações de mangá conhecidas por serem ousadas e muito distintas. A descrição aqui não é muito diferente, mas Tatami Galaxy é uma adaptação de novel e, por isso, há uma diferença crítica na forma como ele distribui informação e trabalha o ritmo.



O seriado do qual estamos falando se diferencia como trabalho estilístico logo em sua camada mais básica. Isto é, o anime apresenta paredes e mais paredes de texto, em conjunto com uma conceituação visual densa, ao ponto que, apesar de muito significativa, me faz duvidar do quanto ele considera a nossa capacidade de assimilação relevante na composição de cada uma das cena. Pois o anime é rápido, e te dá pouquíssimo tempo pra pensar sobre o que está sendo exposto, algo que, por razões óbvias, está muito além do que o material original possivelmente iria proporcionar.



Aqui, Yuasa propõe esse rítmo acelerado em conjunto com um trabalho de cor que beira o exagero. Os visuais nos inserem na mais absoluta subjetividade em favor da caracterização do protagonista - e da comédia em alguns momentos. Isso ocorre, em maior parte, a partir de decisões de design que expõem visualmente seus preconceitos, momentos de insegurança, e até sua libido em determinado ponto da estória. Acredito que é feito para que, posteriormente, todos esses elementos sejam subvertidos no intuito de explicitar uma mudança de paradigma que fecha a trama de uma forma mais impactante. Mas que tipo de trama nos vemos aqui?


Inicialmente, a trama gira em torno da escolha de clubes. Se trata de uma decisão que separa nosso protagonista, o Watashi, de seu maior objetivo: a “vida universitária cor-de-rosa”. Mas ele começa tendo contato quase exclusivamente com um único rapaz desenhado com uma cabeça em forma de cebola, que se chama Ozu, e parece se atormentá-lo bastante. Mas Watashi é determinado, e pretende encontrar um lugar para pertencer enquanto graduando.


A partir disso nós acompanhamos os diferentes caminhos possíveis do protagonista em direção à vida idealizada e suas trágicas consequências a cada episódio, mas com uma estrutura episódica, ou seja, consistentemente retornando ao ponto de partida, até que as coisas começam a ficar complicadas. O roteiro o carrega para decisões românticas, que por serem mais complexas em sua natureza, também desaguam em uma série de conclusões desesperadoras. No entanto, o protagonista insiste em culpar seu colega Ozu, e se convence de que está amaldiçoado a conviver com ele, o próprio diabo. Também se convence de que tudo vai dar errado e ele não conseguirá uma vida cor de rosa independente de qualquer escolha em sua condenada existência nessa terra.  É muito triste, não é mesmo? Pois então...


Daí em diante o ritmo desacelera, Watashi passa a olhar para as possíveis realidades de forma ainda mais pessimista, os caminhos passam a ser representados na forma de um labirinto composto por incontáveis versões cinza de seu próprio quarto, do qual ele não consegue sair por estar andando em círculos atrás da versão cor-de-rosa, numa galáxia 4 de tatamis e meio.


Ele falou o nome!
É o nome do anime!


Então, conforme ele procura por diferenças sutis entre as realidades, finalmente se depara com consistentes pistas sobre os seus colegas, e isto culmina na revelação de que, pasmem: eles na verdade tem suas próprias vidas, interesses, e não fazem o que fazem somente para amaldiçoar Watashi, conforme ele mesmo se convenceu. Isto é o ponto de virada mais importante e também o mais óbvio tanto para a estrutura narrativa quanto para o tema, uma vez que nós já haviamos visto uma série de fragmentos multicoloridos, e nenhum deles é cor-de-rosa e nem inteiramente cinza. O final do anime não pareceu só bobo nessa segunda assistida, mas também colocou uma pulga atrás da minha orelha por conta de um único detalhe, o qual já citei anteriormente.


Assim que Watashi decide aceitar a vida com todas as cores, e sai do labirinto de quartos, a aparência de QUASE todas as personagens muda, com exceção da Akashi, que é consistente em todos os fragmentos com os quais a gente se deparou. ocorre que, a partir do momento em que nosso personagem principal conhece as motivações de Ozu e os outros através de sua experiência mística é possível entender que a aparência deles muda para representar uma mudança de paradigma, e é difícil entender outra coisa porque a arte de Tatami Galaxy é consistentemente congruente com as impressões e os preconceitos do Watashi a cada episódio. Mas qual é o intuito por trás de manter a Akashi “superficial” como os outros? Significa que o protagonista via ela como uma pessoa completa desde o início? 


Julgando pela diferença de estilo, eu diria que não. Além disso, o anime acaba com as palavras do Watashi, dizendo que não vale a pena mostrar o relacionamento deles, por não acreditar que existe algo tão sem graça quanto uma história de amor que deu certo...


E a partir daí as coisas começam a não se encaixar.

Se interpretarmos que a galáxia de quartos representa uma tentativa do personagem principal em revisitar suas escolhas, e isto o impedia de seguir em frente aceitando sua realidade, já que ele culpava as pessoas ao seu redor pela maioria das situações desastrosas, então qual o sentido de manter o design de Akashi com o viés subjetivo assim como os outros costumavam ser?


Precisamos considerar que a mudança de Watashi ocorre quando ele aceita as eventuais infelicidades da vida (numa situação que só possibilitou ESSA saída) ao perceber que os “culpados” tem suas próprias perspectivas e infelicidades, conhecendo-os e mudando a sua perspectiva a respeito deles. Como ele não mudou sua perspectiva a respeito de Akashi, ele poderia culpá-la por tudo que dá errado, assim como fazia com os outros, mesmo não almejando uma vida cor-de-rosa. Ela não apenas está sendo idealizada no final dessa estória, como é protegida por fios do destino que separam os dois convenientemente ao longo de todos os outros contos, simbolizado pelo chaveirinho que o Watashi pendurou na corda da lâmpada. Ou seja, eles não ficam juntos na trama quando poderia dar errado, apesar de considerar uma história que deu certo desinteressante.



Manter a Akashi com o mesmo design é uma escolha tal que, pra bem ou pra mal, só pode existir no Anime. Mas qualquer uma das versões dessa narrativa termina com um casal que se conhece pouco, apesar de não ter expectativas tão altas para o futuro. Terminamos com a impressão de que dá certo, porque o catalisador mágico em forma de chaveirinho sempre impede que Akashi tenha qualquer impacto negativo na vida do protagonista, ou que ambos se conheçam o suficiente. Também é fácil imaginar que caso isso acontecesse nada daria errado, pois quando há atrito, sempre pesa para as decisões de Watashi, como nunca ocorre quando Ozu, Higuchi ou Masaki, ou qualquer outro personagem entra em conflito com ele.


Ainda pensando nas decisões de direção, os visuais da Akashi foram fiéis (o que poderia, mas não melhora o enredo, e também não piora nada em comparação com o material original). No entanto, as escolhas de ritmo são infinitamente mais impactantes, e agora parecem muito mal justificadas.


O anime possui tantos monólogos, tão acelerados, sob o pretexto de "simular o desespero de ler um livro muito grande", segundo o próprio Yuasa.


É uma decisão que dá muita personalidade pro anime, o que foi importante para a carreira dele como diretor. Tatami Galaxy é muito chamativo, e com certeza tem muito mais energia e ambição que a maioria dos animes que estreiam toda temporada. Conhecendo os trabalhos mais recentes do diretor, é possível compreender como Tatami Galaxy serviu de base para as adaptações de mangá mais ousadas e cheias de estilo, pelas quais ele é conhecido e prestigiado. No entanto, para a trama que está sendo adaptada aqui, e para um argumento tão simplório, esse exercício de estilo beira o desperdício.

O ritmo, as cores vibrantes e as caricaturas funcionam MUITO BEM em função da comédia nesse anime, mas contribuem pouquíssimo com o significado da estória.

Eu admito que gostaria de ver mais estórias adaptadas da mesma forma que Tatami Galaxy, e acho justo valorizar o quão “diferente” ele é do padrão absolutamente tedioso produzido em grande quantidade todos os anos, mas definitivamente não foi um trabalho de direção acertado, não para uma trama tão boba.


 É uma trama simples, e o resultado é um anime, apesar de tudo, divertido.

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