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quinta-feira, 25 de novembro de 2021

[REVIEWS ANTIGAS] Monogatari Series: Assumindo sua pretenção, proeminência e ambiguidade.

Contém altíssima pretensão.

Embora a influência da chamada “cultura otaku” já não seja mais somente endêmica de sua terra de origem ou mesmo do oriente há muito tempo, é notório como a percepção do anime enquanto produto estrangeiro demonstra-se relevante sob a lente de um seletivo público estrangeiro em diversos casos. Digo isso porque o exotismo percebido acerca da mídia lhe confere uma imunidade retroativa — diferente das vezes em que o olhar sobre o produto relaciona-se aos propósitos de consumo — e apesar de uma parcela do público cuja adoração oriunda deste nicho alegar-se alicerçado numa suposta cultura mística, indecifrável e intraduzível; fica dúbio se não congregam tão somente do consumo e isto é justamente onde se torna ambíguo, se me permite dizer. Por essas e por outras razões foi-se construindo um enorme gatekeeping acerca do anime, que vez e outra se vê perpassado à beira de um sucesso capaz de emergir para fora dessa comunidade, enquanto ainda tem gente discutindo se anime é ou não é desenho. Pensando nisso, curioso como um dos maiores sucessos (mesmo sendo este, bastante polarizante) dentro do meio em questão, sem ao menos ‘furar a bolha’ seja Bakemonogatari. Por quê? Porque nele há um dos textos autorreferenciais mais críticos por aí. O anime não apenas dispõe de uma penca de metalingagem avessa ao apelo imediato das imagens, como faz uso de sua recorrência, em conjunto com o desmonte de uma realidade com perspectiva axial (quase nunca aterrissando além de sua fragmentação) para permitir esta imposição de ângulos como proposta estética. Podemos dizer que tudo na construção das cenas fala em favor de um ponto de vista através do qual somos introduzidos àquela estória; como indica o som de câmera, olhos piscando, ou até mesmo as linhas de diálogo em painéis estroboscópicos. São fatores quais nos designam a seguir recorrendo sempre a uma perspectiva muito pessoal, mas acima de tudo, seguindo o próprio autor. O anime constrói, nesses termos, uma mimese fraca, volúvel e, portanto, narrativamente versátil — para então falar da mídia e também de si mesmo. Por isso não é incomum ver alguns personagens se comparando a arquétipos seguindo idiossincrasias da própria indústria e então discutindo-se, ou até mesmo brincando com nosso senso de realidade a partir das muitas voltas que o autor prescreve para o texto. E isso tudo só funciona, narrativamente, pois à medida em que o cenário se distancia da realidade, torna-se cada vez mais expressivo e pessoal, por isso evoca uma atmosfera tão onírica quanto intimista. Monogatari não tenta estabelecer um mundo coerente, mas, ao invés disso, trabalha sobre um universo mental capaz de aproximar-se ao máximo do sentimento desejado através de cores, cortes rápidos e mudanças bruscas de estilo. Faz sentido adaptar dessa forma por conta da natureza das light novels, ou seja, para que o enredo sempre se submeta ao olhar do autor. Por vezes, os diálogos são puramente expositivos, contudo, mantêm-se coerentes com o texto pois o emaranhado narrativo permite com que esse tipo de construção opere em vias de incorporar a percepção mais particular das personagens. Então, por tudo isso, o metatexto se traduz como algo natural dentro da obra. Faz com que o perceber-se não seja um elemento insólito, mas adjunto a uma expressão própria, evidentemente problemática e que não seria discutida se o Shinbou não escolhesse traduzir dessa forma. No entanto, o anime não deixa de ser um produto e servir aos propósitos que acusamos de servir no fim das contas. Pensando em como os impulsos inconscientes manifestos — seja a partir do espaçamento dessa realidade pós-moderna qual evoca um senso de suspensão às interações mais básicas ou pelo tom que o diretor escolhe dar em situações específicas, ainda é notório como recorrentemente são carregados em subtom de recompensa (fanservice, se preferir). O que não surpreende se tratarmos isso como uma tradução das ambiguidades e trocadilhos duvidosos no texto do próprio Nisio Isin. É algo que, para ser levado como mérito, precisa ser entendido como aquilo que representa na prática: estranhezas. Sabendo Monogatari e seu método narrativo, não é sequer uma ideia nova pensar nas ambiguidades como conflito, pois esta dimensão do texto incorpora seu desenvolvimento tão naturalmente quanto as quebras da quarta parede o fazem, até para com as piadinhas desimportantes. E por tudo isso, admiti-las pode amplificar a concisão temática tão fortemente quanto encabula os momentos ébrios. É uma via difícil, considerando o quanto a dissolução de certas ações enquanto se confundem com pensamentos soltos, por impedirem a análise crítica de suas consequências práticas. Diferentemente de expressões do inconsciente mais palpáveis como o “chamado para o vazio”, o qual desperta um impulso de afastamento por meio do impensável, e apesar de ser um processo tão difuso, tem lá suas implicações sobre a forma como reagimos, por como despertamos depois de imaginar coisas absurdas como arremessar um bebê da janela do carro ou um celular no meio do rio. O inconsciente de Nisio Isin tem outras propriedades, seja para falar do amadurecimento ou em virtude do tom; comparativamente, é uma escolha ambígua, conveniente e, no fim das contas, é o preciso ambiente mental que Araragi deve navegar para encarar a problemática subjacente de suas próprias decisões. Isto porque a expressão de seu amadurecimento só pode ser totalmente compreendida sob a ótica de um inconsciente bem distante de qualquer eixo moral, embora sua racionalidade de escolha opere consistentemente num princípio de falso altruísmo. É através deste contraste que entendemos o paradoxo de suas intenções, quando o texto une forma e conteúdo. É exatamente este princípio que não nos permite ignorar as situações duvidosas, as quais se traduzem na direção do Shinbou com uma consciência sobrenatural do teor perverso e acidental de certas cenas, tão comuns no universo das adaptações de light novel e, por esse motivo, também muito sintomáticas do imaginário otaku. É o que faz sentido, pensando no amadurecimento do Araragi, e por fazer sentido demais, é uma qualidade moralmente repreensível em sua totalidade, mas responsável por compor uma obra tão concisa. É mais provável que, dentre todos os interessados em adaptar Monogatari, o aclamado diretor do estúdio Shaft ainda seria o mais próximo das ideias de Nisio Isin para com seu próprio texto. Isto pois, até chegarmos na existência de seu estúdio, a carreira de Shinbou mal tivera seus produtos autorais, e até aquele ponto trabalhando com produtos das adaptações feitas para otaku em todo o seu glorioso pretexto, é ainda mais crítico nos desvios e no amadurecimento gradativo do texto de Monogatari. De fato, por mais que pareça bobo, às vezes, para amadurecer frente as nossas contradições, como autor e como pessoa, é tão simples quanto olhar pra mídia, olhar pra si, aprender a rir de si mesmo e seguir em frente.


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